Em uma edição repleta de boas surpresas, o mineiro “Marte Um”, de Gabriel Martins, foi ovacionado ao final de sua estreia no Festival de Gramado 2022 e também na coletiva de imprensa. É um destes que não deixam ninguém indiferente e um dos favoritos para receber o troféu Kikito na premiação do festival, que ocorre na noite deste sábado.
Produção da mineira Filmes de Plástico, que vem propondo, com vários projetos, um novo cinema brasileiro contemporâneo, “Marte Um” traz o cinema como o lugar do sonho. É um cinema de afetos, em que as dificuldades, a violência, a insegurança, as diferenças de um Brasil complexo não são negadas, mas também é um cinema em que é possível que até mesmo o sonho impossível de seu protagonista, o garoto Deivinho (Cícero Lucas) pode se realizar.
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Na tela, a vida comum dos Martins. Eles formam uma família negra e humilde brasileira, que luta para vencer desde grandes até pequenas questões do cotidiano e não desistir de ser feliz em um Brasil que acaba de eleger um presidente que não os representa. O pai desta família Wellington, o ótimo Carlos Francisco, é porteiro e espécie de faz tudo de um condomínio de luxo que sonha em ver seu filho Deivinho se tornar um grande jogador de.
Mas o menino quer ser astrofísico e embarcar na missão Marte Um, que pretende mandar missões para povoar o planeta vermelho. A mãe Tércia (Rejane Faria, também ótima no papel) é diarista e cuida de todos, menos de si mesma. Já a irmã de Deivinho, Eunice (Camilla Damião), é uma jovem antenada, que cursa direito e quer sair de casa para morar com a namorada.
O casal Tércia (Rejane Faria) e Wellington (Carlos Francisco): ela diarista, ele porteiro e os sonhos da classe trabalhadora brasileira Imagem: Divulgação O casal Tércia (Rejane Faria) e Wellington (Carlos Francisco): ela diarista, ele porteiro e os sonhos da classe trabalhadora brasileira – Divulgação (300×225)
Os sonhos dos Martins não são impossíveis, mas em um Brasil que abandona milhões de famílias e cidadãos negros e negras à própria sorte em uma sociedade racista em sua formação histórica, é revolucionário cada vez que o cinema traz personagens negros em um lugar de afeto, de amor, de carinho, de sonhos. É este cinema do afeto, de um que revela o quão trágico e também cômico uma família é, que ganhou Gramado nesta semana e certamente não vai sair do festival sem pelo menos alguns Kikitos. Tão brasileiro, mas também tão universal, “Marte Um” estreou no Festival de Sundance em janeiro deste ano, passou por outros festivais importantes e chega ao circuito comercial na próxima quinta 25 de agosto.
O cinema da trupe da Filmes de Plástico, que assina outros longas como “No Coração do Mundo”(de Gabriel Martins e Maurílio Martins ) e “Temporada” (de André Novais Oliveira), tem o caráter de contar histórias de personagens comuns, que vivem vidas também (quase) comuns, com sonhos aparentemente pequenos, mas imensos em sua essência.
E são justamente esses personagens que nos conduzem pelos filmes, com quem nos conectamos e cujas vidas acompanhamos e por quem torcemos. Fazer um cinema de personagens, e não tanto focado em grandes e rocambolescas reviravoltas de roteiro (ou em cenas de ação, violência, grande impacto) pode parecer simples, mas é complexo. “No Coração do Mundo”, a propósito, tem um roteiro com reviravoltas e surpresas dignas de um thriller de ação, mas não é exatamente a ação pela ação a chave da trama e sim o lugar e estar no mundo dos personagens em questão que importa, que caminho e que futuro eles percorreram e com o que sonham.
O diretor Gabriel Martins e o elenco de "Marte Um" na première do filme em Gramado Imagem: Edison Vara/ Divulgação O diretor Gabriel Martins e o elenco de ‘Marte Um’ na première do filme em Gramado – Edison Vara/ Divulgação (300×225)
De volta a “Marte Um”, este cinema de personagens que nos cativam desde a primeira cena, demasiadamente humanos, segue com força total. Ao viver com Tércia o susto bobo que ela passa ao ser alvo de uma pegadinha, entendemos e sentimos o trauma que a brincadeira lhe causou. Em um Brasil em que a violência está cada vez mais presente, a dela é latente e nos comove, ao mesmo tempo que nos provoca também risos.
O equilíbrio entre o drama e a , o melodrama de família e a tragicomédia da vida faz de “Marte Um” um filme cheio de personalidade, universal e também muito particular.
“Eu sinto que há uma força nos personagens, na maneira como o elenco também trouxe esses personagens à vida que atravessa muito as pessoas. As pessoas quando vêm falar de “Marte Um”, inevitavelmente estão conectadas ao elenco. Há algo muito forte nesta conexão emocional. E acho que este é um momento em que a gente está precisando delas. Adoro ver filmes em que fico pensando nos personagens depois”, comentou Martins ao UOL.
“Quando eu fiz “Marte Um”, minha intenção era ter um filme muito carregado por essa família, que a gente pudesse se sentir parte dela nesta jornada. E acho que isso chama tanta atenção das pessoas”, completou o diretor.
O diretor Gabriel Martins em coletiva de imprensa durante o Festival de Gramado Imagem: Cleiton Thiele / Divulgação O diretor Gabriel Martins em coletiva de imprensa durante o Festival de Gramado – Cleiton Thiele / Divulgação (300×225)
O produtor Thiago Macêdo Correia, da Filmes de Plástico, lembrou que uma dos pontos que foram levantados pela equipe do prestigiado Festival de Sundance (ocorrido em janeiro), quando foram selecionados, foi o fato de que se tratava de um filme que falava de diversos assuntos que poderiam ser vistos de um modo pretensioso, mas que trazia uma naturalidade e uma simplicidade muito eficazes. “Esta simplicidade dava mais importância a esses assuntos, que reverberam justamente pela despretensão. E como o Gabriel falou, na escolha dos personagens e como suas jornadas se dão são coisas da vida. O filme encara isso deste jeito. E nos deixa felizes saber que é possível estabelecer esta conexão com as pessoas que não necessariamente passam pelo o que os personagens passam, mas que conseguem entendê-las por meio de uma narrativa despretensiosa, mas objetiva”, analisou o produtor.
É justamente esta aparente simplicidade, mas que é fruto de um processo sofisticado de observação da família, dos tipos, do cotidiano dos brasileiros, que faz de “Marte Um” este filme que aproxima a plateia de seus personagens, cria laços, faz com que o público se importe com esta família. Há feito e sonho maior para um cineasta que seus personagens se conectem com o público e ganham de fato vida? Não à toa, Gabriel Martins diz que, se o sonho de Deivinho era ser astrofísico, o dele sempre foi ser cineasta. Sonho que ele realizou no set e sobre o qual ele fez um desenho ainda criança, aos nove anos.
O desenho que o cineasta Gabriel Martins fez ainda criança sobre seu sonho do que gostaria de ser quando crescesse Imagem: Reprodução O desenho que o cineasta Gabriel Martins fez ainda criança sobre seu sonho do que gostaria de ser quando crescesse – Reprodução (300×225)
“Marte Um” é o sonho de um Brasil possível, revolucionário em sua simplicidade e seu afeto. Há ainda muitas famílias e muitas histórias brasileiras a serem contadas e este é só o começo. “Temos duas profissões nesta família, o porteiro e a diarista, que são absolutamente comuns no Brasil e têm intrinsecamente a questão do conflito de classes. Só que mesmo assim não houve tantos filmes brasileiros que tratavam de personagens com estas profissões que não fossem necessariamente um estudo de classe ou que tivesse de fato uma imersão maior no cotidiano desses personagens”, analisa o diretor.
Como continuou Martins, isso diz respeito muito também ao fato de que esta família, que é bem clássica brasileira, talvez não tenha tido ainda tantas representações diferentes no cinema brasileiro. “Eu vejo o cinema brasileiro como uma história ainda em construção, que tem filmes maravilhosos. Eu sou um apaixonado pelo Brasil e pelo cinema brasileiro, mas, ao mesmo tempo, há um cenário a se descobrir. E acho isso bom. Falo isso não no sentido negativo. Olho para o futuro. Quando vejo este filme e esta família, vejo que há um escopo muito grande do que ainda podemos representar”, afirma Martins.
” Quando escrevo um filme como “Marte Um”, penso em pessoas próximas, minhas tias, da minha família, o filme tem muito da minha relação com meu pai. Há coisas próximas e sinceras, como todos os filmes da Filmes de Plástico têm. Esta construção passa por um olhar que quer entender a classe trabalhadora brasileira, por quem a gente tem uma estima muito grande nos nossos projetos. E “Marte Um” é mais um filme que traz esta investigação”, completa o cineasta.
Eunice (Camilla Damião) e Deivinho (Cícero Lucas) e a cumplicidade entre irmãos no destaque de "Marte Um" Imagem: Divulgação Eunice (Camilla Damião) e Deivinho (Cícero Lucas) e a cumplicidade entre irmãos no destaque de ‘Marte Um’ – Divulgação (300×225)
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